Há pouco menos de duas semanas, voluntárias do projeto Ruas, que atua na Zona Sul do Rio, foram surpreendidas por moradores de rua indo até elas, desesperados, pedindo por máscaras. Eles temiam ser multados. Logo depois, outro morador de rua chegou à praça onde ocorria a ação, em Copacabana, exibindo a multa que havia recebido de agentes da Guarda Municipal.
Foto Ilustração
O caso mobilizou o Ministério Público e a Defensoria Pública, que acionaram a prefeitura da cidade cobrando explicações. A defensora pública Carla Beatriz Maia, do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos, vê a atitude como uma “ação higienista”.
– Esse homem chegou até nós dizendo: ‘Agora estão multado morador de rua’. Ele estava nervoso e disse que foi orientado pelo agente a procurar uma delegacia se quisesse pedir isenção da multa. Nós atendemos de 80 a 120 pessoas em situação de rua, semanalmente, na Zona Sul. O que vemos ali são pessoas usando as mesmas máscaras que demos há semanas antes – lamenta Larissa Montel, gestora do projeto.
Nesta semana, as voluntárias do projeto identificaram o caso de mais um morador de rua multado em Copacabana por não usar máscara. Um outro homem, que vive nas ruas do centro, também afirma que foi multado por um guarda municipal, mesmo avisando a ele que morava na rua.
– Estava sentado comendo com a máscara no colo. Eu disse que os amigos dele [guardas municipais] estavam ali na frente conversando sem máscaras, mas não adiantou – contou.
No dia 7 deste mês, o Ministério Público enviou ofício a Guarda Municipal.
– Se não fossem grupos que se juntam para ajudá-los dando roupa, cobertores, comida e máscaras, eles não teriam qualquer amparo – diz trecho.
A Defensoria Pública também cobrou explicações no último dia 14.
– O princípio da razoabilidade foi infringido e desrespeitado, posto que uma sanção de multa aplicada contra aquele que sequer tem acesso aos bens mais básicos da vida, como a alimentação e a moradia adequada e que depende, muitas das vezes, da solidariedade de projetos voluntários, não se mostra adequada a atingir os fins almejados quando se direciona a esse grupo já tão estigmatizado – afirma o documento.
A defensora acusa ainda a prática de ser “higienista”.
– Essa ação de multar morador de rua é uma prática higienista. Há uma pressão por parte da associação de moradores de Copacabana para retirar essa população de rua de lá – avalia a defensora Carla Beatriz.
Ela lembra que inexistem pias instaladas pela prefeitura para que a população de rua higienize as mãos e as máscaras.
Por meio de nota, a Guarda Municipal informou que não há orientação para que sejam multados moradores de rua sem máscara. Em resposta enviada ao Ministério Público, o órgão municipal informou que houve um caso isolado em Copacabana em que um pedestre foi notificado por não fazer uso da máscara.
– No momento da abordagem e da notificação, o cidadão não se apresentou como pessoa em situação de rua, nem tampouco a equipe agiu demonstrando qualquer distinção, juízo de valor ou preconceito – afirmou.
A Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos disse que realiza a distribuição de máscaras e kits de higiene para a população em situação de rua durante as abordagens feitas diariamente. Entre 10 de março e 15 de julho, foram distribuídos máscaras e 11 mil kits de higiene, segundo a pasta, que informou ainda ter adquirido 1,8 milhão de máscaras para distribuição, por meio de licitação.
Sobre a instalação de pias voltadas para a higienização da população em situação de rua, a pasta informou que tem um projeto em andamento em parceria com a iniciativa privada para instalação de mil pias pela cidade.
Segundo Horácio Magalhães, presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, existe um projeto de associações de moradores do bairro de não dar esmolas à população de rua. Em vez disso, seria estimulada a ajuda por parte de moradores a abrigos públicos do município.
– Não se trata de uma ação de higienização, mas sim de dar dignidade a essas pessoas que estão na rua. É um projeto consistente e propositivo de ajudar essa população de maneira mais adequada – declarou.
Em junho passado, a prefeitura entrou com uma ação na Justiça para obter a permissão para acolher, de forma compulsória, moradores de rua. O objetivo era diminuir a infecção desta população por Covid-19.
A medida valeria para os bairros de Copacabana, Centro, Lapa, Glória e Méier. Quanto ao pedido de liminar, ajuizado pela Procuradoria Geral do Município, a prefeitura informou que ele foi recebido, nesta quarta-feira (15), pelo juiz João Luiz Ferraz de Oliveira Lima, da 10ª Vara da Fazenda Pública.
Na decisão, o magistrado deu o prazo de dez dias úteis para que o Ministério Público do Estado se manifeste sobre o pedido. Após esse período, o juiz irá decidir se acata ou não a liminar.
Da Redação- Luciano Reis Notícias, com Folhapress, via Pleno News.